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Marafações de uma Louletana

Um espaço dedicado a Loulé e às suas gentes!

Marafações de uma Louletana

Um espaço dedicado a Loulé e às suas gentes!

A vendedora do Mercado de Loulé

30.04.20, Lígia Laginha


Bom dia caros visitantes do “Marafações de uma Louletana”.

Junto ao Mercado Municipal de Loulé, ex-libris da cidade já aqui referenciado, está, desde 2008, a escultura apelidada de “Vendedora do Mercado”. Esta “Vendedora”, de autoria de Teresa Paulino e Pedro Félix, foi inaugurada no decorrer das Comemorações do 1.º Centenário de existência do Mercado e está situada na Rua José Fernandes Guerreiro, entre a “Praça” e a Câmara Municipal. A escultura, construída com as dimensões de uma figura humana, consiste numa figura feminina, inicialmente desenhada como estando sentada numa cadeira de “atabua” mas que em última instância aproveitou a arquitectura do local para se “abancar”, rodeada de alcofas e caixas que contêm os produtos típicos da região que se vendem no Mercado, nomeadamente batatas, figos, ervilhas, entre outros. Pretendeu-se, com esta escultura,  homenagear todas as pessoas que venderam e vendem no Mercado de Loulé. O bronze foi o material escolhido pelos artistas na execução desta obra de arte, não só pela expressividade que transmite, mas também pelo contraste que a obra tem no local, permitindo realçar a escultura e também valorizar esteticamente o espaço urbano envolvente. 
Hoje não há quem passe pela “Vendedora” e lhe seja indiferente. Obra verdadeiramente bem conseguida que reflecte sem dúvida o espírito que se vive em torno da “Praça”, espaço de compra e venda e também de convívio.
Teresa Paulino e Pedro Félix são os autores de outros trabalhos que são uma referência em vários pontos do Algarve, nomeadamente a “Rotunda dos Observadores”, no Aeroporto de Faro, as esculturas alusivas às figuras do “pescador”, “guarda fiscal” e “contrabandista”, em Alcoutim, um homem com criança, em Lagos, bem como o arranjo escultórico na rotunda que liga as Avenidas Sá Carneiro e Mota Pinto, em Quarteira.

O que os algarvios comem - Azeitonas britadas

22.04.20, Lígia Laginha


Esta marafada não gosta de azeitonas de nenhum tipo, mas como é um acepipe apreciado por muitos, não só no Algarve, mas por todo o País e fora deste, decidi dedicar um post às azeitonas britadas. 

A seguir às primeiras águas de Outono, entre Setembro e Outubro, colhem-se as azeitonas. Nesta altura, elas já estão bastante grandes e “carnudas” mas ainda não estão maduras (devem ter a cor verde). Normalmente utilizam-se azeitonas da espécie maçanilha.

Depois de colhidas e lavadas são “britadas”. Esta operação corresponde a um ligeiro esmagamento com algum cuidado para não partir o caroço. Nestas condições as azeitonas estão aptas a que a curtimenta seja rápida. Antigamente, este esmagamento era feito com duas pedras, no entanto também se pode utilizar um maço sobre um tronco de madeira. Nunca devem ser usados utensílios metálicos, pois as azeitonas podem ficar negras, com mau aspecto.

A seguir, as azeitonas são colocadas em água, num pote de barro ou plástico, durante 7 a 10 dias. A água deve ser mudada diariamente, mas para acelerar o processo pode ser mudada 2 vezes ao dia ou então podemos escaldar as azeitonas com água quente no 1º dia. Durante esta fase, é libertada a acidez e as azeitonas perdem o sabor amargo.

Na fase seguinte, colocam-se as azeitonas em salmoura, temperada com orégãos, alho esmagado, limão e louro. Também podem ser utilizadas outras ervas aromáticas como a nêveda, o tomilho ou outros, dependendo do gosto de cada um. Para determinar a concentração do sal, pode-se utilizar a técnica do ovo cru, quando o ovo subir, a salmoura está no ponto, isto corresponde a mais ou menos 100g de sal por litro de água. As azeitonas estarão prontas para comer ao fim de 7 a 10 dias. Depois disso, as azeitonas podem ser conservadas durante meses nessa salmoura. Se elas ficarem demasiado salgadas, deverão ser demolhadas antes de serem consumidas.

Nota: 

1. Informação recolhida em http://algarvepontosdevista.blogspot.pt/

As portas de outrora - o caso das aldrabas

17.04.20, Lígia Laginha

Falar do património identitário de um povo é falar dos seus usos e costumes, dos seus edifícios e objectos, da natureza em que se enquadra, etc. Nesse sentido hoje decidi escrever algumas linhas sobre um objecto, a aldraba, que se encontrava presente nas portas dos nossos antepassados.

Criada com uma função diária (servia para quem chegava à porta de uma habitação anunciar a sua visita), a aldraba tinha ainda outro fim: servia de ferrolho, isto é, é necessário girar a aldraba que fazendo mover uma tranqueta serve para abrir ou fechar a porta
No tempo em que os árabes ocuparam o Algarve, algumas portas podiam ter três aldrabas que simbolizavam que no interior da casa haviam um homem, uma mulher e uma criança. Cada aldraba, segundo o sexo e a idade, tinha um tamanho e som diferenciados.
A aldraba, diferente da "manita que é um batente, representava o contorno da mão de Fatma, a filha do Profeta Maomé, e nesse sentido, possuir tal objecto na porta de entrada da casa era uma forma de defender os seus habitantes dos maus olhados e atrair a sorte.
Hoje as aldrabas foram sendo substituídas por batentes, campainhas e puxadores. Algumas portas modernas possuem imitações quase perfeitas destes objectos que aqui adquirem uma função meramente decorativa.

A Páscoa no Algarve

16.04.20, Lígia Laginha


A Páscoa é mais uma festividade que, consoante a região do país, adquire aspectos próprios. No Algarve, algumas das mais interessantes tradições de Páscoa têm, lamentavelmente, sido perdidas. No entanto, nada nos impede de relembrar velhos tempos, reavivar as memórias e quem sabe recuperar algum desse valioso espólio etnográfico.

Comecemos pela chamada procissão de Aleluia, cuja maior expressão na actualidade, no âmbito algarvio, consiste na “Procissão das Tochas” em São Brás de Alportel.
No início do século XX, a procissão de Aleluia estava um pouco espalhada por todo o Algarve. Em alguns lugares revestia-se de grande importância e chamava-lhe “procissão das flores”. Nesta procissão participavam as irmandades com as suas opas, velas (floridas ou não), estandartes, lanternas e palio. As crianças iam vestidas de branco e espalhando flores pelo caminho. Os jovens e adultos, à frente do palio, envergavam todos uma opa e ostentavam uma tocha. O povo seguia atrás do palio. Durante a procissão, o grupo de cantores (clérigos ou não) cantavam antífonas e o hino pascal em cinco paragens diferentes. No regresso à Igreja era cantada, sempre em latim, a antífona mariana “Rainha dos céus, alegrai-vos, aleluia”. Após a bênção do Santíssimo Sacramento celebrava-se a “missa de festa” com sermão. Em Loulé ainda se conserva viva a tradição da Procissão de Aleluia, no entanto, sem o esplendor de outrora. Noutros tempos, normalmente, esta procissão processava-se da seguinte forma: antes da missa, a procissão saia com o Santíssimo Sacramento e nela se incorporavam muitas crianças que levavam uma campainha ou esquila. Num ambiente de festa, com as campainhas a tocar, anunciava-se a Ressurreição do Senhor. A banda de música local, nomeadamente a Banda Filarmónica Artistas de Minerva, por vezes, participava na procissão. Durante o trajecto cantavam-se os cânticos pascais.

O folar é uma das tradições que se conserva e que está intimamente ligada à Páscoa. As famílias fazem folares para oferecer aos familiares ou a pessoas amigas. Em diversas zonas algarvias, a tradição dita que na segunda-feira de Páscoa se vá até ao monte ou para junto de uma ribeira comer o folar. Quanto à confecção do folar, não existe conformidade. Uns fazem-nos com canela, outros com muita erva-doce ou mel. Quando se usa mel ou canela fazem-no em camadas e ao cortar-se o bolo surgem rodadas onde sobressaem esses ingredientes. Este tipo de folar é mais vulgar em Olhão e Faro. Os folares podem também ser ornamentados com ovos inteiros, o que comercialmente já não é permitido, mas ainda se encontra nos folares feitos em casa. Na aldeia de Alte, para além dos folares, os bolos folhados são outro dos doces típicos desta quadra.

Também associados à Páscoa, os ovos têm igualmente um sentido simbólico. Cristo venceu a morte saindo do túmulo. O ovo, uma espécie de túmulo, recorda a vida que ressurgiu da morte. Nos nossos dias, continuam a ser utilizados os ovos mas o povo desconhece por completo o seu sentido religioso que se foi perdendo.

Depois dos exageros cometidos durante a época carnavalesca, a Quaresma era vista como um período em que se devia manter o jejum e a abstinência de certos alimentos. A carne era um desses alimentos, sendo que estas restrições alimentares e o hábito de jejuar constituíam um autentico tabu na sociedade tradicional, nomeadamente no mundo rural. Em algumas regiões algarvias é comum a ideia de que na Páscoa não se deve comer ave de pena (não sei bem qual é a ave que não tem penas, mas enfim), porque o galo denunciou, por três vezes, a negação de Pedro. Como normalmente a Páscoa coincide com a época das favas e ervilhas frescas, é vulgar comer favas à algarvia ou ervilhas com ovos durante este período.

Uma outra tradição ligada a esta quadra festiva eram os “contratos” da Páscoa. Chamava-se a este ritual “Fazer o Contrato” e processava-se o mesmo da seguinte forma: um dos contratantes, crianças, jovens ou adultos, perguntava a um parceiro “queres fazer contrato comigo?” e se o outro aceitasse entre ambos celebrava-se o “contrato”, combinando à partida o número de amêndoas em jogo que seriam pagas no Domingo de Páscoa. O “contrato” era celebrado com o dedo mindinho de cada um dos pares entrelaçados e em movimento enquanto os mesmos diziam “Contrato/Contrato/Contrato faremos/no Sábado de Aleluia /Ofereceremos!”. Depois desta “celebração”, no Sábado de Páscoa, cada uma das partes se escondia da outra, até que um dos contratantes apanhasse o outro desprevino e lhe gritasse “Oferece”! Quando isso acontecia estavam as amêndoas ganhas. Esta tradição, praticamente em desuso, conheceu diversas versões consoante a região em que era celebrada.
E aqui ficam mais alguns apontamentos sobre tradições e costumes ligadas à celebração da Páscoa no Algarve.


Nota:

1. Este texto foi escrito com base nas seguintes fontes:

- JERÓNIMO, Rui; DUARTE, J. Cunha, “Algarve: Tradições musicais –III”, Faro ; São Brás de Alportel, Grupo Musical Santa Maria ; Casa da Cultura António Bentes, 1997.

- FERNANDES, Aurélia, “Gastronomia Tradicional do Concelho de Loulé (1.ª parte do século XX)” in “al-ulyã”, n.º 2, 1993.

- http://alcoutimlivre.blogspot.pt/ (nomeadamente post intitulado “Os ‘Contratos’ da Páscoa” da autoria de Amílcar Felício).